A recém-descrita sururina-da-serra (Tinamus resonans), identificada nas partes altas da Serra do Divisor, apresenta um comportamento que preocupa pesquisadores e gera paralelos com um caso conhecido na história natural: o dodô, ave extinta no século XVII. O pesquisador Ricardo Plácido, coautor da descrição científica publicada em Zootaxa, afirma que a comparação não tem relação genética, mas funciona como alerta para riscos de conservação.

A espécie, encontrada entre 310 e 435 metros de altitude, responde de forma imediata a sons, aproxima-se sem demonstrar medo e cruza áreas abertas do sub-bosque sem sinais de vigilância. O estudo científico detalha ainda que o animal não reconhece seres humanos como possíveis predadores, comportamento incomum entre tinamídeos, tradicionalmente ariscos e sensíveis à presença humana. “A comparação com o dodô foi uma analogia. O objetivo foi alertar para a proteção que a sururina-da-serra precisa para não enfrentar um cenário parecido. O dodô não percebia o ser humano como ameaça e desapareceu. Queremos chamar atenção para esse risco”, diz Plácido.
O artigo registra que todas as interações com a espécie mostraram ausência de fuga, inclusive quando indivíduos se aproximaram dos pesquisadores após poucos minutos de playback sonoro. Esse comportamento está associado ao isolamento da espécie em áreas montanhosas, onde comunidades tradicionais não praticam caça. “Os subsistentes que caçam para sobrevivência não sobem a serra. Isso pode explicar o fato de a sururina não ver o ser humano como algo perigoso. Ao contrário de outros nambus, ela se aproxima com naturalidade. Isso reforça a necessidade de cuidados e estratégias claras de conservação”, afirma o biólogo.
A publicação científica estima que a população da nova espécie seja de cerca de 2,1 mil indivíduos, todos restritos ao maciço montanhoso da Serra do Divisor, o que aumenta sua vulnerabilidade. A região apresenta solos rasos, rotas estreitas e forte dependência da estrutura montanhosa, fatores que tornam a ave sensível a mudanças ambientais, como alterações climáticas, incêndios naturais e impactos associados a projetos de infraestrutura previstos para a área protegida.
Plácido afirma que, embora exista proteção legal por se tratar de um Parque Nacional, a manutenção da espécie dependerá de um esforço conjunto. “A comunidade local é parceira e atua como guardiã, mas serão necessárias capacitações e planos de manejo. Não basta registrar a espécie. É preciso garantir que seu comportamento não seja explorado, o que pode acarretar importunação e pressão humana indevida”, explica.
O pesquisador também destaca sua trajetória dedicada ao estudo das aves do Acre. “Sou pernambucano, tenho 44 anos e moro em Rio Branco desde 2011. Sou biólogo e pesquiso as aves do Acre há mais de 12 anos. Fiz registros importantes para o estado, como a primeira imagem mundial do tovacuçu-xodó e os primeiros registros fotográficos da choca-do-acre no país. Agora participo da descrição de uma espécie nova para a ciência”, relata.
Segundo o estudo, a sururina-da-serra possui vocalização forte e prolongada, com padrões acústicos que ecoam de forma característica nas encostas. A espécie foi confirmada em oito pontos distintos, sempre em áreas de solo arenoso pobre em nutrientes e cobertas por um denso tapete de raízes. Esses ambientes funcionam como “ilhas no céu”, onde condições fisiográficas e isolamento tornam a fauna altamente especializada.
A comparação com o dodô tem servido como ferramenta para comunicar ao público a relevância da descoberta e os riscos relacionados a comportamentos que facilitam aproximações humanas. “Não se trata de parentesco. É uma reflexão. O dodô desapareceu por não perceber a ameaça. A sururina pode enfrentar risco semelhante se não houver estratégia de conservação. É necessário conhecer a história para evitar repetir erros”, afirma Plácido.
Para os pesquisadores, a descoberta reforça a singularidade da Serra do Divisor e amplia argumentos de conservação. O parque é o único local conhecido no mundo onde a espécie ocorre, o que torna a região prioridade para proteção. A identificação também pode fortalecer iniciativas de turismo de observação de aves, atividade já consolidada na área. “A Serra do Divisor é um tesouro da Amazônia. A nova espécie mostra o quanto a região ainda guarda informações importantes. É fundamental que seja tratada com responsabilidade coletiva”, conclui o pesquisador.
A descrição completa da espécie integra o estudo A new species of Tinamus (Aves: Tinamiformes) from the western Amazon, Brazil, publicado em Zootaxa.
Com informações, contilnet